sábado, 24 de setembro de 2016

Enevoada

Na sala meu pai
assiste pornografia
Na tela grande, como
um programa qualquer

Minha mãe dorme
O sono da conformidade
Do cansaço, sim, mas
Também da submissão

Lá fora aquele que
chamo de meu
Vive como se nada
jamais o abalasse

As duras palavras
O desdém e o tom
de voz imponente
Foram deixados para lá

No quarto eu
me sinto quebrada
Os olhos inchados
de tanto chorar

Ninguém se importa
porque pra eles
existem problemas
maiores e mais graves

Não é o suficiente
sentir-se triste, não
saber o porquê
e nada conseguir fazer?

Eu sonho com o dia
que vou largar de ser
covarde, e finalmente
vou pôr um fim em tudo

Vou escrever uma carta
(ou talvez não escreva nada)
Vou passar a navalha e
afundar os pulsos em água morna

Vou observar o degradê
do incolor ao escarlate
Vou sorrir serenamente
enquanto adormeço.

Desamparo

“Mas por que você tá triste se...?”

“Todo mundo tem problemas”

“Você não é especial”

“Você tem que tentar melhorar”

“Você quer que todo mundo faça o que você quer”

“Você não sabe se controlar”

“Por que você tá chorando?”

“Você chora por tudo”

“Você gosta de sofrer”


sábado, 17 de setembro de 2016

(in)existência

Passo a semana
a empurrar com a
barriga problemas que
são emergenciais

Digo a mim mesma
que aquela agonia
vai ser compensada
pela diversão por vir

Crio planos para
o fim de semana
Me empolgo para
esquecer preocupações

Chega o dia e não
descanso o suficiente
Chega a noite e não
me sinto diferente

Chego ao local e
fantasio com a saída
Falo com pessoas e
quero que o assunto acabe

Se me sinto bonita
preciso de uma foto
para receber virtual
aprovação sem valor

Se me sinto triste
preciso escrever
um poema que cause
empatia e admiração

No fim das contas
não faz diferença
Porque continuo
a me sentir vazia.