domingo, 5 de dezembro de 2010

Subterrâneo

O céu estava apagado, mas a cidade estava acesa. As luzes ofuscariam os olhos de um forasteiro desacostumado, mas não os dos habitantes daquela cidade grande e sempre tão iluminada. Ela não falhava em clarear a imensidão exterior da cidade e da pele de todas aquelas pessoas. Não podia fazer mais que isso. E lá estava o problema.
A pálida garota caminhava sozinha por aquelas ruas consideravelmente movimentadas apesar da avançada hora. Ela ia caminhando sem pressa, sentindo a brisa e o calor abafado simultaneamente. Quanta gente! E ia observando os carros que passavam e os casais de mãos dadas. A sobriedade estava enlouquecendo-a. Adiantou um pouco o passo e atentou-se em um beco escuro. Escuro. Lá estava a falha. Como em seu interior. E adentrou na escuridão, tateando a pílula do bom sono. Para momentaneamente iluminar o que estava machucando-a no breu de sua mente. Para que pudesse arrumar a bagunça, apesar de que - ela já sabia - tudo acabaria bagunçado e de lâmpadas queimadas novamente. Mas um momento bastava. Ela só queria dormir.

domingo, 28 de novembro de 2010

Ideia Solta

Percebi que tudo depende do amor.
Passei bom tempo procurando causas sociais ou quaisquer outras como tema para as mais diversas obras alheias. Música, principalmente. Quis negar a ideia de que tudo gira em torno do amor e que só dele se fala. Parecia ser a temática que prevalece, acima de qualquer outra. E é, de fato. Critiquei, talvez por medo ou não sei.
Mas aprendi a aceitar por um simples fato: olhei para mim mesma. É a solução para a grande maioria dos dilemas. Percebi o que prevalecia em minhas não-renomadas obras literárias. E entendi. A criação alimenta-se de inspiração e esta última de emoção. E o que proporciona tantas emoções, diversas e intensas, senão o amor?
Plausível. E é isso.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Dilema

Me diga, por favor, me diga
Por que gosta tanto de sofrer?
Por que prende-se à fadiga
Do amor que cansa viver?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Calmaria

Mentiras e desculpas
Sofridas as primeiras
Aceitas as segundas
Pra dormir a noite inteira.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Coisa de Adulto

Se ser adulto é assim
Tão sem pudor
Se ser adulto é assim
Viver vazio de amor

Então acho que sou feliz
Sendo eterna criança
Será que para mim
Ainda resta esperança?

Se ser maduro é assim
Trair a mulher na própria cama
Se ser maduro é assim
Dizer ao filho gay que não o ama

Então acho que vou reprimir
Fugir do movimento
Porque talvez assim
Diminua o sofrimento

Se é pra descobrir
Que devo viver conformada
Se é pra descobrir
Que a verdade não serve de nada

Então acho que vou fugir
Para as ilhas mais remotas
Tentar recomeçar dali
Uma sociedade menos morta

Se ser adulto é assim
Tão sem pudor
Se ser adulto é assim
Viver vazio de amor

Então acho que sou feliz
Sendo eterna criança
Será que para mim
Ainda resta esperança?

Indefinido

Eu só quero viver em meio às flores, em meio à grama alta e às árvores enormemente antigas. Quero sentir o cascalho sob os pés, descobrir novos aromas e tocar na água, serena ou apressada, ao som da vida abençoada com a isenção de dores de cabeça evitáveis. Quero sentir o vento tocar-me as pernas e sorrir diante do verde das folhas vivas - e também do laranja das mortas. Quero a companhia das novas descobertas. Quero desintoxicar com tal amabilidade. Mas é só por algum tempo. É só até que eu comece a sentir saudades.

domingo, 12 de setembro de 2010

Ligeiro Pranto Daquela Que Vem Do Mar

Dedico a Marina Nogueira, que combina muito mais com um sorriso. (:


Noite. Aguardada noite. Roupas espalhadas pela cama, combinações dispersas na mente. Sutil empolgação expressa. Não esperar por nada é a simples solução. A prática nunca é como deveria ser. Espera-se, fantasia-se, deseja-se.

A roupa parece sem graça. A maquiagem escorre pelo rosto, destruída pelas lágrimas. Mais destruído ainda o coração. Por quê? Parece que vai ser sempre assim. Parece que não tem jeito. Incrivelmente, o momento mais doloroso é a memória mais cheia de detalhes. Cada um deles fazendo brotar mais lágrimas, causando mais dor.

Mas teria isso motivo? Teria isso tanto valor? Valeria tantas lágrimas e tanta dor? Por que continuar a desejar o que não é recíproco e se auto-punir por tal? Sorrisos ainda existem, a dor logo parte, novos desejos logo surgem e a dor antiga vira graça. Um sorriso ameno em breve virá. Com isso em mente, as lágrimas param. As pessoas ao redor são um conforto inegável. Um riso sem muita graça vem. E, desse jeito, logo ele torna-se um riso intenso. Não há motivos para sofrer assim. O sorriso sincero em breve virá. Breve, é só querer.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Mas Que Culpa Ela Tem?

O dia seria como qualquer um dos outros. Nada demais havia acontecido e a garota sentada em sua cama lia um livro calmamente. Lê-lo a fazia esquecer dos problemas, mandá-la para longe do que a incomodava. Tudo ficaria bem se corresse desse jeito, até a hora de ir dormir.

Mas não.

As pancadas na porta foram o primeiro sinal. Ouviu um grito feminino exaltado. Ouviu a voz dele. Mais uma vez, fora de si. Mais uma vez, alimentando o ódio dentro da garota. Ouviu o homem xingar a mulher, ouviu a mulher retrucar. Continuou imóvel na cama. O livro aberto na mesma página, o dedo marcando a linha onde parara. Tudo ficaria bem se acabasse ali. Era normal aquilo acontecer, apesar de desgastante. Tudo bem se parasse ali.

Mas não.

Os xingamentos continuaram. Ele começara a usar aqueles argumentos que a garota tanto detestava. O rosto dela continuava sem expressão. Ouviu o homem citar seu nome. Ouviu todas as ofensas direcionadas a ela. Não se sentia ofendida, mas ele não tinha o direito. O ódio continuava a crescer, crescer, crescer. Conseguia quase vê-lo: uma fumaça preta que embaçava sua visão - e a sua mente. Tudo bem se ele fosse dormir e parasse apenas nos xingamentos.

Mas não.

Ouviu a mulher caminhar até ele. Ouviu ela mandá-lo ir para a cama. Ouviu ele chamá-la daqueles nomes horrível. Não ouviu-a retrucar. Ouviu um tapa. Opa, aquilo não era normal. Ele havia batido na mulher? A garota tirou os olhos do livro e levantou-se. A mulher devolveu o tapa. Então, ouviu um murro. E a fumaça preta embaçou completamente sua mente. Em passos rápidos, pegou a faca na cozinha. Em passos ainda mais rápidos, chegou à sala e olhou para aquele homem asqueroso. Nas condições em que ele estava, bastou um empurrão e ele caiu. A garota, de olhos vendados pelo ódio, esfaqueou-o. E, após fazê-lo e observar o homem sem sinais de vida, mudou finalmente a expressão. Sorriu.

Aquele podia ser mais um dia qualquer: com um cheiro de bebida, com um estresse de costume, com palavras ofensivas já previsíveis. Mas não. Naquele dia, a garota matou o próprio pai.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Anos 20

Paródia da música A Malandrinha, escrita por Freire Júnior em 1927. A paródia foi escrita por mim para a gincana do meu colégio que, por sinal, escolheu péssimos jurados, haha.


Mulher, jovem mulher
Com seus cabelos a la garçonné
Vai ao salão de jazz com cloché
Pr'os conservadores fácil ela é

Mulher, que o espartilho arrancou
Mostraste as pernas em público
Passaste a beber e fumar de súbito
Teu tempo de glória chegou

Anos vinte, és apenas um começo
O mais certo dos tropeços
Desviaste o caminho à revolução
Enviaste à mulher a satisfação
Ensinou-a a gritar: Não obedeço!

Arte moderna, substituiste a vanguarda
"Novo" é como o povo te chama
Ganhaste até tua própria semana
Da história, estais sobre resguarda

Arte, não te deram o devido valor
Mas tuas poesias são declamadas
Tua música é orquestrada
Para teus artistas, que dissabor!

Anos vinte, és apenas um começo
O mais certo dos tropeços
Levaste a arte ao reconhecimento
Apesar do retardo do acontecimento
A modernidade espalhando-se ao vento

Anos vinte, foste apenas o começo
O mais certo dos tropeços
Desviaste o caminho à revolução
O moderno não tem explicação
Arte e mulher, profunda gratidão.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Substantivos

Não desejo felicidade
Nem amor concreto
Pois estes são sentimentos
E todo sentimento é
Por regra, abstrato.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A Bela Decepcionada

O cabelo estava perfeitamente arrumado, o vestido consideravelmente curto lhe dava um ar mais feminino que o comum, a sombra de cor exótica marcava seu rosto fino.
Estava linda. Sentia-se linda.

Sorriu para seu reflexo no espelho e pensou que aquela noite seria maravilhosa. Pegou a pequena bolsa prateada em cima da cama e seguiu para a porta, desceu pelo elevador e entrou no carro. Dirigiu-se para seu destino e desceu do carro, pondo aquele pé sobre um salto médio na calçada e impulsionando-se para levantar-se. Fechou a porta do carro e olhou as pessoas que adentravam o estabelecimento em seus trajes sociais. Caminhou para a entrada e sentiu alguns olhares sobre si. Estava linda. Sentia-se linda.

Pronunciou seu próprio nome para o homem que segurava a lista de convidados e desceu as escadas que a levavam para o salão principal. Estava cheio de mesas perfeitamente cobertas por toalhas de seda e cheio de pessoas conversando de forma polida – ou não. Sentiu mais alguns olhares sobre si enquanto caminhava em busca de uma mesa vazia e sorriu. Estava linda. Sentia-se linda.
Sentou-se sozinha em uma mesa próxima ao fim do salão. Aceitou a bebida que o garçom ofereceu-lhe. Bebericou-a e pousou a taça na mesa. Sorria e observava as pessoas. Alguém olhava de soslaio de vez em quando e ela sorria um pouco mais. Estava linda. Sentia-se linda.

A hora avançou consideravelmente e ela continuava sozinha na mesa. Seu sorriso havia sumido. Alguns já haviam ido embora e ninguém havia se aproximado. Alguns conhecidos cumprimentaram-na, apenas. Os olhares não eram pra ela, afinal? Aquela empolgação toda era só dela? A bela mulher que vira refletida no espelho não estava tão bela assim? Estava cabisbaixa. Sentia-se idiota.
Levantou-se de sua mesa e passou por todas aquelas pessoas olhando para o chão. Correu para o banheiro e olhou-se no espelho mais uma vez. Continuava linda, mas sua expressão era de puro desgosto. Estava linda. Sentia-se sem graça.

Tão sem graça.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Ano Novo, Sentimento Velho

Ouvia o som dos fogos explodindo no céu azul marinho, quase negro. Virou o rosto em direção à luz e viu aquelas cores brilhantes se espalharem pela escuridão acima de sua cabeça. Estava sentada na areia, sujando a roupa sem se importar. Sentia a cabeça rodar e uma estranha solidão. Estavam todos ali, mas estavam todos distantes. Dividiam-se em casais, com ou sem compromisso, compartilhando suas carências de ano novo. E ela estava acompanhada pelo som do mar e sendo tocada apenas pela areia. A embriaguez intensificava a sensação de solidão, mas ao mesmo tempo tornava-a vaga. Ela não conseguia focar-se no que estava sentindo, mas sentia-o com força. Queria alguém sentado ao seu lado, nem que fosse para recostar a cabeça e olhar os fogos coloridos sentindo algum calor humano em si. Fumava um cigarro, mesmo sem gostar, por achar bela a fumaça que soltava pela boca.

– Feliz Ano Novo – murmurou sozinha. Deu mais um trago no cigarro e jogou-o fora. Observou aquela luz alaranjada do cigarro ainda aceso caído na areia e lambeu os lábios. E então, um garoto de camisa branca se aproximou.

– Tá noiada, é? – perguntou, em tom de riso. A garota levantou a cabeça e sorriu, apertando os olhos. – Levante daí – ordenou o garoto. A garota fez cara de desânimo. – Vamo logo, levante de uma vez. – disse, estendendo a mão para ajudar a garota a levantar-se. Ela olhou para a mão estendida, relutante. Então, segurou-a. Tomou impulso e se levantou. Tirou o excesso de areia grudada na roupa e tornou a olhar para o garoto, aparentemente desnorteada. O garoto balançou a cabeça em tom de desaprovação e, então, puxou-a pelo pulso, seguindo para onde o pessoal com quem estavam ia. E a garota deixou-se ser guiada, apenas pelo toque de algo real e o preenchimento da sensação de vazio e exclusão. Aquilo podia não significar nada, mas não estava só, afinal.