domingo, 16 de agosto de 2009

O troco

Ela estava cansada daquilo tudo.

- Ana, Ana! - chamava o homem embriagado. Ana levantava-se da cadeira e ia até o quarto. - Ligue a tv pra mim.
Ana ligava a tv e voltava a sentar na cadeira. Logo, o homem chamava de novo.
- Ana, Ana! Venha aqui.
E Ana ia, dessa vez para lhe dar o controle remoto. Quando ia saindo do quarto, novamente:
- Ana, Ana! Mude o sentido das persianas.
E Ana mudava, e voltava a se sentar.

Era sempre a mesma coisa. Ele bebia, deitava-se na cama, e começava.
- Ana, Ana!
Faça isso, faça aquilo, como se sua filha fosse sua escrava, como se ela devesse algo àquele alcóolatra maldito.

Ao acordar-se, no dia após embriagar-se, o homem correu para o banheiro para vomitar. Vomitou como se rejeitasse todo o seu organismo. Então, sentiu aquela pontada forte no coração. Caíra de joelhos, segurando o peito, e vendo as imagens se fundirem e se separarem, numa vista que falhava.
- Ana, Ana! - chamou, como de costume. Ana apareceu em sua frente, olhando-o com indiferença. - Me ajude! - suplicou, com a vista escurecendo.
- Não - Ana respondeu, logo em seguida virando-se de costas para seu pai, que morria.